Era meio de tarde. Ele estava sentado no sofá quando a primeira tosse veio.
Braço na boca para abafar o som que interrompeu o barulho das crianças que brincavam com blocos no chão da sala.
As crianças arregalaram o olho e nem tiveram tempo de falar, quando veio a segunda tosse. A terceira.
A esposa apareceu na sala e colocou a mão em sua testa. Quente. Parecia febril. Buscou o termômetro no quarto: 38,7 graus Celsius.
Dois sintomas, dois dias depois de ir ao mercado. Seria o Covid-19? Ligação para a cunhada, mensagem pra amigos e amigas médicas. Diagnóstico: Quarentena na quarentena.
Ele se encaminhou para o quarto, onde ficaria 14 dias sozinho, isolado da família, sem poder ajudar em nada em casa. Uma solitária em uma prisão familiar.
As primeiras horas até foram produtivas: trabalhou, assistiu aulas de seu curso online, escreveu textos, leu… até conseguiu assistir ao filme que tanto desejava. Mas faltava alguma coisa. O silêncio incomodava.
Ouviu passos e, em seguida, uma batida na porta. Antes de abrir, passos acelerados como alguém correndo do outro lado. Ao abrir a porta viu seu prato de comida no chão e a porta do quarto das meninas fechar. Foi o suficiente para a ficha cair. A sensação de solidão foi imediata. O distanciamento social chegara dentro de casa.
Pegou o celular e fez uma chamada de video para a esposa. As filhas atenderam e por alguns minutos ele preencheu o vazio do quarto com um sorriso.
A noite foi se chegando, o quarto escurecendo… o medo do desconhecido se colocando. Sem beijo nas crianças, sem história para dormir… Aquela, certamente, seria uma das noites mais difíceis de sua vida.
Foi quando ouviu uma nova batida na porta do quarto. Um papel passou por baixo da porta. Ele pegou e abriu…
“Papai, boa noite! Fica bom logo pra gente brincar e te abraçar! Te amamos!”
Uma lágrima escorreu do rosto, ele acendeu o abajur, buscou um bloquinho e uma caneta e começou a escrever a sua resposta com a certeza de que aquela noite iria passar…