Era cedo ainda quando meu celular tocou. Meu pai pedindo algumas coisas do mercado e uma ajuda para minha avó. Era dia do pagamento dela, e alguém precisava pegar o salário. Como eu sou o único da família fora do grupo de risco, a missão era minha.  

Ouvindo a conversa, minha esposa aproveitou e pediu para que eu deixasse uma encomenda no correio. Pronto, a tríade da contaminação estava formada: Supermercado, banco e correio.

Imediatamente senti uma pontada no peito, um calafrio e uma dor de barriga. Já haviam passado 25 dias sem que eu pisasse fora de casa. Já me sentia confortável com o isolamento. Agora, teria de enfrentar pessoas no meio da pandemia!!!

Peguei meu kit sobrevivência: máscara, álcool gel e luva. Pensei em levar uma trena de um metro para fazer as pessoas respeitarem o distanciamento recomendado, mas achei que seria demais.

Fui de carro e a primeira parada foi o banco. Três pessoas. Dei sorte. Abri a porta com o cotovelo, andei pelos cantos fugindo das pessoas. Cheguei ao caixa eletrônico, tirei o álcool 70 e o borrifei na tela e no teclado. Senti o julgamento da senhora, sem máscara, no caixa ao lado. 

Realizei o processo, tirei o dinheiro e quando me virei para sair, já havia uma pequena fila. Meus olhos arregalaram. Como vou sair? Borrifei álcool na mão e nos braços. Andei de lado e consegui escapar sem um esbarrão.

O coração acelerou imaginando o que seria entrar em um mercado. Então segui para o correio. A fila estava enorme. Me posicionei e logo um senhor se acomodou atrás. Cada passo que eu dava ele dava dois. Dava para sentir o bafo no cangote. 

Olhei para trás para ver se ele se mancava. Pensei em borrifar álcool 70 nele todo. Mas andei para o meio da rua, para manter 1 metro de distância. Ele andou, ignorando minha presença ali. Voltei para a fila e parecíamos guerrear por um lugar. 

O pavor chegou ao nível máximo. Saquei o álcool gel do bolso, tirei a tampa, borrifei no senhor inteiro e sai correndo.

Abortei o supermercado e fui pra casa desesperado. Tirei as roupas na porta e corri para o banho. Corpo tenso, coração acelerado, respiração desregulada.

Sentei. Respirei. Era verdade, eu estava com Homemfobia. Da próxima vez, eu levo a trena.