Ela abriu os olhos e buscou o sol. A cortina fechada a impedia de despertar e ter forças para sair da cama. Mesmo assim, ela levantou. Foi até a janela, abriu a cortina, coçou o olho e as grades, que a impediam de ver o horizonte, logo se revelaram.

Sem acreditar no que via, coçou o olho de novo e a selva de pedra se apresentou em forma da vizinha indiscreta pendurando roupas no varal. Era o 40° dia sem sair de casa. As grades invisíveis que a aprisionavam nunca pareceram tão reais.

Encaminhou-se até a cozinha, sem cumprimentar as filhas e o marido. Preparou seu café e viu a luz. Timidamente, os raios de sol começaram a entrar pela janela da área e tocar a bancada. Um metro e vinte por sessenta centímetros de luz, calor, energia. Era quase um pedido de venha… estou te esperando. 

Deixou o café. Sorriu para o sol. Um flerte daqueles que deixaria qualquer marido desconfiado e o pretendente a amante, empolgado. 

Em três passos chegou à bancada. Empurrou as roupas passadas para o canto e se encostou, como quem aceita o parceiro para uma dança. As mãos se tocaram. O calor foi imediato. Nem reparou que ainda estava de camisola. Subiu na bancada. Deitou-se. Dobrou as pernas, se ajeitou. Deixou o sol tomar conta. De olhos fechados, abriu um novo sorriso, daqueles que se abre ao atingir o orgasmo. 

As primeiras gotas de suor apareceram. Ela estava entregue. Realizada. Quando um grito quebrou o momento. Abriu os olhos. Era a vizinha inconveniente estendendo sua roupa no varal, brigando com o marido. Imediatamente uma nuvem tapou o sol. O calor foi embora. As grades apareceram. Ela pegou o café, voltou para a sala, beijou o marido, as filhas e sentou-se no sofá. Agora, era esperar outro dia nascer para, por alguns minutos, se entregar novamente ao seu amante solar.